segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Espelho meu, espelho meu...

    Outros terão
    Um lar, quem saiba, amor, paz, um amigo.
    A inteira, negra e fria solidão
    Está comigo.

    A outros talvez
    Há alguma coisa quente, igual, afim
    No mundo real. Não chega nunca a vez
    Para mim.

    "Que importa?"
    Digo, mas só Deus sabe que o não creio.
    Nem um casual mendigo à minha porta
    Sentar-se veio.

    "Quem tem de ser?"
    Não sofre menos quem o reconhece.
    Sofre quem finge desprezar sofrer
    Pois não esquece.

    Isto até quando?
    Só tenho por consolação
    Que os olhos se me vão acostumando
    À escuridão.

    Fernando Pessoa, 13-1-1920.
(Certas linhas do poema reflectem como eu sou e como por vezes eu me sinto. Daí o título.)

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